A essência da democracia prospera no equilíbrio triangular entre o Estado social, a justiça social e os direitos no território. Este triângulo indivisível constitui a base sólida para a construção de sociedades justas, robustas, inclusivas e prósperas. No entanto, as políticas neoliberais que priorizam os interesses do mercado têm desvirtuado este modelo, ampliando desigualdades e ferindo os direitos fundamentais. O futuro de Portugal e da Europa depende da reafirmação deste modelo, atualmente muito pressionado pelo envelhecimento populacional e pela emergência climática.
O Estado Social Europeu emergiu como resposta às profundas desigualdades resultantes da industrialização e das grandes guerras, com o objetivo de corrigir falhas estruturais do mercado e proteger os mais vulneráveis. Estabeleceu-se como motor impulsionador de igualdade, partindo de políticas de equidade, centrando-se na redistribuição de recursos e serviços essenciais. Contudo, a sua eficácia está intrinsecamente ligada ao território (urbano e rural), onde os direitos se materializam. É no território que a habitação, a mobilidade, a saúde, a educação e o emprego se tornam (in)acessíveis. Hoje, a precariedade habitacional, a falta de acessibilidade e as infraestruturas deficitárias revelam a dificuldade de garantir direitos fundamentais.
Os territórios, sejam cidades vibrantes, mais densas, ou regiões periféricas mais ruralizadas, refletem desigualdades históricas e contemporâneas. As cidades, em particular, concentram oportunidades, mas também exclusões, através de gentrificação, privatização de serviços e precariedade no acesso à mobilidade. Estas dinâmicas perpetuam pobreza e segregação, desafiando os governos a assegurar direitos urbanos essenciais: habitação, transportes acessíveis, espaços inclusivos e ambientes saudáveis. Estes direitos são pilares da justiça social e concretizam o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável n.º 11, que visa cidades inclusivas e resilientes.
O ordenamento do território desempenha um papel crucial, articulando serviços públicos e respostas sociais com as especificidades locais. Políticas focadas na justiça social garantem que comunidades mais vulneráveis tenham acesso equitativo a oportunidades e recursos.
Para construir uma Europa mais justa e inclusiva, é essencial:
Habitação: Deve ser vista como um direito, não como mercadoria. É urgente investir em habitação pública, regular o mercado imobiliário e combater a especulação, especialmente através do controlo de rendas e do alojamento local. O património do Estado, com condições de reconversão em habitação, não deve ser perdido para o setor privado, tal como aconteceu recentemente em Portugal por decisão do atual Governo.
Território inclusivo e sustentável: É fundamental reorganizar territórios e implementar Políticas territoriais que atendam às necessidades de grupos vulneráveis, combatendo desigualdades espaciais e promovendo justiça social. Neste ponto, a acessibilidade para todas as pessoas, designadamente com deficiência, deve ser prioridade.
Mobilidade: O transporte público, acessível e progressivamente gratuito garante o acesso ao emprego, educação e saúde, contribuindo também para mitigar a crise climática. Esta medida é também um catalisador para a inclusão social e deve ser complementada pelo planeamento de redes e infraestruturas de mobilidades suaves.
Espaços públicos qualificados e inclusivos: O espaço entre edifícios – passeios, praças, parques – deve promover interação social e coesão comunitária, reforçando a cidadania.
Democracia participativa: É essencial incluir todas as pessoas nos processos de decisão, através de mecanismos como conselhos comunitários, que amplifiquem vozes marginalizadas e tornem as políticas mais eficazes.
A Europa enfrenta um momento decisivo. As crises a Leste e no Médio Oriente, bem como o crescimento de regimes autoritários, exigem uma resposta clara e firme que reforce compromissos éticos com a dignidade humana, a solidariedade e a democracia. Para fazer face ao contexto de desinformação e do populismo que tem sido promovido pelos movimentos da extrema-direita, é fundamental que os Estados-Membros unam esforços para defender o Estado Social Europeu e desmontar as narrativas enviesadas desta agenda política, que visa reconquistar hegemonia à custa de direitos e valores democráticos.
Neste contexto, é incontornável investir no direito urbano (no território) e na inclusão territorial, respeitando os direitos humanos. O equilíbrio entre Estado social, justiça social e direitos no território não é apenas uma aspiração; é a única defesa real da democracia e o caminho para sociedades mais equitativas e sustentáveis.
Lia Ferreira
Deputada à Assembleia da República
Nota: Este texto integra uma rubrica regular da responsabilidade das Mulheres Socialistas – Igualdade e Direitos