Ao ver as imagens da operação policial no Martim Moniz ordenada pelo primeiro-ministro para criar a “perceção de tranquilidade” aos portugueses, e ao observar a condescendência, surpreendente diga-se, da sociedade civil e da comunicação social em geral – a fotografia das dezenas de cidadão de cor diferente da maioria, sem direito a presunção pública de inocência, perfilados como bandidos contra a parede não mereceu publicação de 1ª Página em nenhum jornal nacional –, não pude deixar de me recordar dos versos de Martin Niemöller em E não sobrou ninguém.
Talvez inspirado pelo poeta que teve como companheiros de luta e resistência contra os totalitarismos figuras maiores como Brecht e Maiakovski, o Secretário-Geral do PS proferiu a mais certeira das afirmações sobre este ato abjeto de abuso de poder por parte das autoridades políticas e policiais: “Hoje são os imigrantes, amanhã serão os portugueses todos”.
Aquilo a que assistimos, muitos de nós incrédulos, além de uma indecência no plano moral e social, é um atentado aos valores e princípios mais primários consagrados pela Constituição da República. Todos aqueles que foram postos naquela posição foi por terem o azar de não serem brancos, cristãos e terem tradições culturais diferentes das nossas. Ora isto significa discriminar em função da raça, do credo e sabe-se lá mais do quê, que é contra tudo o que quem governa e quem tem a tutela da segurança jurou cumprir e fazer cumprir.
Quem assim governa e decide é porque cedeu à agenda securitária da extrema-direita e se deixou capturar pelo discurso racista e xenófobo que vai crescendo a partir da construção de narrativas falsas, sem qualquer adesão à factualidade das estatísticas e dos relatórios oficiais. Quem assim governa são os mesmos que acusam o Partido Socialista de ser aliado do Chega e de andar com este partido ao colo. Quem assim governa e quem não critica estas ações autoritárias, está a promover a normalização da indecência.
A criação destas perceções mentirosas de que a criminalidade e a insegurança é da responsabilidade das comunidades imigrantes, acabará por, mais cedo ou mais tarde, conduzir à criação de um ambiente propício à constituição de milícias populares com o beneplácito político de quem assim atua. E já sabemos onde é que isso nos conduzirá.
Exige-se, pois, a todos os homens e mulheres decentes, que não baixem os braços e não sejam complacentes com esta conduta imoral e politicamente abjeta. Exige-se a todos os socialistas que não condescendam com esta agenda. Sim, porque o facto de sermos um partido plural e livre, não significa que não tenhamos linhas vermelhas. E nenhum Socialista, Humanista e Progressista pode, de maneira alguma, pactuar com isto, sob pena de estar a ser cúmplice da tal normalização da indecência.
Termino, em jeito de alerta, citando os poetas, neste caso Bertold Brecht: Primeiro levaram os negros/Mas não me importei com isso/Eu não era negro. É bom que pensemos que, a continuarmos assim, qualquer dia batem-nos à porta.
Nuno Saraiva
Membro do Secretariado da Concelhia de Lisboa do PS