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23 Abr 2024

| diretor: Porfírio Silva

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Opinião

AUTOR

Carla de Sousa Miranda

DATA

14.03.2017

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Cidade em feminino

Podemos tornar as cidades mais inclusivas, mais participadas, mais igualitárias? A resposta só pode ser positiva. O ano de eleições autárquicas é a altura ideal para que todos façamos um debate aprofundado sobre as cidades que queremos, os serviços, os transportes, o apoio social, as infraestruturas que podem vir a ser melhoradas numa perspetiva igualitária.

 

O Departamento Nacional das Mulheres Socialistas reconhece a importância do tema e por essa razão avançou com uma convenção no dia 11 de março, subordinada ao tema da governança política paritária nas cidades. Não nos enganemos, este é um tema que diz respeito a todos os cidadãos, mas do qual muitas vezes as mulheres têm estado arredadas. Ter um governo nacional progressista ajuda - veja-se o esforço que a secretária de Estado Catariana Marcelino tem vindo a fazer na construção de uma aliança sustentável nos planos municipais para a igualdade - mas o debate necessita de ser feito de uma forma holística e transversal em todos os patamares da política local. 

Façamos uma pergunta a nós próprios: qual é o nosso trajeto diário na cidade num dia habitual de trabalho? Se for homem, os estudos mostram que o seu caminho é mais simples: casa- trabalho- casa. Se for mulher, é provável que a sua resposta seja mais variada e mais complexa: casa- levar filhos à escola – trabalho – passar pelo supermercado – ir à farmácia – buscar filhos à escola- casa. Os desenhos que imprimimos na cidade são comprovadamente diferentes. E no entanto o planeamento urbanístico nem sempre contempla os dois pontos de vista. Para uma visão equilibrada é necessário pugnar por um acesso igualitário aos mecanismos de poder político local e compreender a realidade bem diferente das relações de mulheres e homens no acesso e distribuição de recursos, responsabilidades e poder. Este entendimento deve ser o ponto de partida para fazermos uma cidade mais paritária de forma sustentada. 

As cidades querem-se cada vez mais inteligentes, capazes de produzir dados desagregados por género e idade que nos podem ajudar na compreensão sobre como eles e elas se movimentam e utilizam a cidade. Mas mais do que saber ler as estatísticas é preciso ter a garantia que a voz das mulheres não se perde, e isso faz-se favorecendo a sua presença nos cargos de decisão, sejam de planeamento urbano, mobilidade ou serviços públicos. Devemos por garantir que os períodos de discussão de documentos estratégicos contam com a presença de mulheres (para isso é necessário fazer debates em locais próximos das comunidades para que elas possam estar presentes) e por encorajar o empoderamento das mulheres nas associações e instituições locais. O que não nos pode fazer desistir de incentivar os homens a defender a igualdade das mulheres e raparigas. 

Algumas cidades já iniciaram este processo de auscultação sistematizada das mulheres nos seus programas de desenvolvimento e as mudanças no planeamento urbano já se fizeram sentir. Os locais onde elas se sentiam mais inseguras como jardins, parques de estacionamento ou túneis pedonais subterrâneos passaram a estar mais iluminados. Os passeios ganham tanta luz como as ruas, e são alargados para caberem os carrinhos de bebés e os carrinhos de compras. A mobilidade nos transportes públicos ganhou outro nível de cuidado: uma maior sensibilidade repercutida no aumento ou renovação de paragens de autocarro, no alargamento de horários em espaço noturno, no aumento da oferta de linhas entre zonas residenciais, na obtenção de mais plataformas para carrinhos de bebés. E o que querem as mulheres portuguesas? É preciso ouvi-las.

Olhemos para o espaço público. No confronto com um espaço vazio, os municípios tendem a decretar os locais para usufruto dos jovens: construção de um campo de jogos, um espaço para grafitar, um parque de skate. As cidades onde a tentação é privilegiar opções mais masculinas para os espaços é elevada. Mas naquelas onde a voz das raparigas foi escutada foram acrescentadas outras abordagens para os mesmos espaços: programação de cinema ao ar livre, festivais de música ou um mercado de Natal.

Pense no espaço público por onde circula. Olhe em volta: quantas ruas têm nome de mulheres? Quantas esculturas públicas representam mulheres? Quantas são obra de artistas mulheres? Quantas exposições dos museus nacionais e municipais são dedicadas a nomes femininos das artes? Continuamos invisíveis, não é? Na construção da cidade, na sua história, na sua contemporaneidade.  O espaço público de futuro, o espaço da política, têm de ter a vontade das mulheres bem inscrita no mapa. 

AUTOR

Carla de Sousa Miranda

DATA

14.03.2017

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EDIÇÃO Nº1418
Janeiro 2024